Texto para Travestis, Crossdresser e Transexuais

Para Travestis, Crossdresser e Transexuais


Não é nada fácil alguém decidir, conscientemente, se deve ou não fazer essa transição. Há dezenas, centenas de fatores a ser considerados antes de se fazer essa escolha e a idade em que a pessoa se encontra é apenas um deles. Aliás, posso lhe assegurar, um fator de pouquíssima importância no conjunto dos fatores que determinam a decisão final de transicionar ou não. Conheço gente que transicionou depois dos 65 anos o que, a rigor, é até mais fácil de se fazer do que aos 23, uma vez que o avanço da idade faz com que homens e mulheres fiquem fisicamente muito mais parecidos… Talvez porque machos e fêmeas deixem de se esforçar tanto para parecer tão diferentes uns dos outros, como acontece em outras fases da vida, em virtude das pressões sociais para que se mantenha essa diferenciação.
Idade não é impeditivo para a transição, a menos que você esteja pensando em transicionar a tempo de participar do concurso de Miss Universo… E se esse fosse o seu objetivo eu iria desencoraja-lo de imediato, pois você estaria delirando.
É preciso que você saiba que um homem jamais conseguirá preencher todos os requisitos estéticos relacionados à “figura feminina ideal” que carrega dentro de si. Por mais que fique parecido com uma fêmea genética real, na frente do seu próprio espelho um homem jamais ficará inteiramente satisfeito com as transformações alcançadas! Pessoas transgêneras (crossdressers, travestis e transexuais) não se contentam com pouco: – querem ser mais reais do que a própria figura real da mulher, figura da qual sempre serão apenas simulacros. Essa permanente insatisfação com a própria aparência é um dos traços mais fortes do “distúrbio de identidade de gênero” que em graus distintos afeta a todas as pessoas transgêneras.
Você menciona os hormônios… Acho que as pessoas imaginam esses medicamentos como um tipo de “poção mágica” de conto-de-fadas que, ao ser tomados, realizariam instantaneamente todas as transformações físicas e mentais que alguém aspira fazer. Nada mais irrealista! Hormônios não fazem nenhum milagre físico e muito menos sócio-emocional na vida da pessoa que deseja transicionar. Você nem imagina como pode ser desastroso, para não dizer desesperador, um homem começar a ver seus peitos se projetarem (hormônios femininos fazem os peitos crescerem – e praticamente só isso) e ele continuar sendo homem em todos os outros sentidos, principalmente no sentido sócio-emocional.
Para ser mulher não basta possuir apenas um determinado tipo de corpo físico, como a maioria dos homens imaginam em suas fantasias. Ser mulher é ser, sobretudo, a personagem social da mulher. Não basta nascer fêmea: – é preciso aprender a ser mulher, a se comportar como mulher, a viver os papéis sociais de mulher. Resumindo: o corpo feminino é apenas um veículo para a vivência de papéis socialmente definidos como femininos, nada mais. Com o homem se passa da mesma forma. Um macho de nascimento não se torna automaticamente homem, dentro dos ideais de masculinidade estabelecidos pela nossa cultura.
O que está em jogo quando você pensa em tornar-se uma travesti? Um desejo irresistível de ser mulher? Uma fantasia sexual recorrente, que acaba sempre em masturbação? Querer exibir-se socialmente, dentro de roupas luxuosas e atraentes? Encontrar homens e realizar-se sexualmente? Que transformações corporais você considera importantes realizar nessa transição? Deseja manter seus órgãos genitais ou sente a necessidade de se livrar deles? Qual é a sua orientação sexual? Homo? Bi? Hetero? Já experimentou “viver como travesti” em tempo integral? Que aprendizados sócioemocionais você terá que fazer a fim de se adequar aos novos papéis que se propõe viver daqui pra frente? Como é que você acha que se sentiria se não conseguisse realizar a transição? Que vínculos pessoais e profissionais seriam afetados pela sua transição? Como você pensa ganhar a vida depois de ter transicionado? Qual é, afinal, o seu desejo e de que forma você pensa em leva-lo adiante?
Enfim, para transicionar conscientemente, você precisaria de se colocar questões muito mais amplas e profundas do que simplesmente querer saber se a idade em que você se encontra é ou não adequada para fazer a transição.
Finalmente, preciso lhe dizer que o desejo de se tornar travesti não desaparece com a idade. Se é real, vai continuar demandando seu tempo e sua energia pela vida fora, quando não costuma aflorar nos momentos mais impróprios e cruciais de nossas vidas. Quanto mais cedo você identificar a verdadeira natureza do seu desejo, mais chances terá de viver uma vida plena e feliz.
Portanto, procure saber o quanto o seu desejo é “real” e o quanto ele é “ficção”; o quanto ele é essencial e o quanto ele é acessório ou supérfluo para a sua realização pessoal. Se necessário, busque ajuda de um(a) analista para ajuda-lo nesse processo de auto-descoberta. Esse é o ponto de partida para qualquer escolha consciente que você venha a fazer a respeito de se tornar travesti.

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